Rebolante ao som do pagode que tocava no rádio, Gabriela colocava os móveis para cima para varrer o chão de sinteco da casa antiga. Morava com a mãe e o gato siamês Juca. Assim acontecia todas as sextas feiras quando chegava do colégio ao meio dia. Depois de tudo arrumado e perfumado, Gabriela se recolhia voluntariamente em seu quarto. A mãe, funcionária dos Correios, chegava do trabalho as 7 da noite e sorria de satisfação. Encontrava a filha falando ao telefone, escrevendo na agenda ou lendo a bíblia. Depois de um banho e uma cerveja, a mãe ia encontrar o namorado no forró. Era fim de semana e a hora era ilimitada. Gabriela quase não gostava de sair de casa. Não gostava de lugares com muita gente, a não ser a missa que fazia questão de não perder todos os sábados a noite. Não quis festa de quinze anos porque não queria muita badalação. Mas gostava de ganhar lembrancinhas. Faria dezessete na próxima semana e já planejava seu presente. A madrinha beata estranhava que a afilhada nunca havia dado qualquer tipo de preocupação familiar. Estranhava sua amizade solitária com Juliana, uma garota um ano mais nova que estudava com Gabriela, ao mesmo tempo sentia alívio pelo recato inusitado da adolescente. Sua afilhada era muito bonita. Alimentava indiretamente as fantasias sexuais clandestinas de Guilherminho, seu vizinho na vila de casas em que moravam desde pequenos. Todos os dias ele colocava o corpo adiposo na janela para ver ela passar com os cadernos nos braços. Ganhava um sorriso passageiro e um Olá. Isso era bastante para que ele fosse comemorar no banheiro com sua mão ofegante. Gabriela também chamava a atenção do futuro padrasto, um bancário quase aposentado que começou a namorar sua mãe quando ainda era casado. Há muitos anos ele não via seios tão perfeitos e durinhos. Tinha medo de que eles fossem parar em mãos erradas. Mas a enteada percebia seus olhares e sempre que podia evitava usar decotes ou ficar a vontade perto dele. No dia de seu aniversário, Gabriela ganhou um bolo surpresa da madrinha, um anel de ouro da mãe, o mesmo anel prometido há dois anos atrás, e um cheque de cem reais do futuro padrasto. Estavam todos reunidos informalmente na mesa da cozinha em volta do bolo com alguns refrigerantes e cervejas. Gabriela não queria cantar parabéns pra você antes de Juliana chegar. A mãe já começava a desconfiar desta cumplicidade. A madrinha achava que Juliana sabia de algum garoto que namorava a afilhada e o futuro padrasto estava inquieto ver a enteada tão decotada quanto aquela noite. Quando a amiga chegou, o primeiro pedaço de bolo foi pra ela, seguido de um discurso de agradecimento por ter mostrado a verdadeira vocação da aniversariante.
Gabriela comunicou a todos que estaria indo para um convento nos próximos dias.
Juliana sorriu. A mãe ficou estupefata com a decisão da filha, mas concordou. Ela estaria salva do mundo horrível e de homens aproveitadores que nem o pai dela foi. A madrinha beata arregalou os olhos e não conteve a euforia quando falou que sempre achou que a menina tinha um compromisso com Deus. O padrasto deu a palavra final, desejando boa sorte a Gabriela. Conviveria com a decepção de não apreciá-la nunca mais em trajes divinos como aquele que via em sua frente.
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Gabriela e Juliana puderam enfim viver seu romance em paz. Dentro daquele imenso mosteiro, longe das maldades e preconceitos do mundo, foram felizes e se amaram por muitos e muitos anos.
Amém.
Elisa Carvalho
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