Mutucurumbá. Foi por causa desta palavra que levou bronca do pai na hora da janta. A mãe, que quase nunca dizia nada, mandou o filho pro quarto sem que ele pudesse terminar a refeição. Mais tarde levaria bolo com leite sem que o ninguém visse, pois tinha que mostrar concordância com o marido.-A senhora dá muita colher de chá pra esse menino. Deixa ele a solta de dia se misturando com os negrinhos da fazenda. Não quero saber de língua de preto aqui dentro de casa. - Ordenava ele mastigando um pedaço de carne na boca que deixava a gordura escorrer pela barba grisalha.
O menino olhava pela janela as luzes fracas dos lampiões que vinham lá da senzala. Teve vontade de fugir e ir pra lá ouvir as histórias que os pretos velhos contavam. Chovia muito. Ensaiou até vestir um paletó grosso para se proteger, mas desistiu da idéia quando lembrou da última surra que levara do pai. O capataz da fazenda havia o pego em flagrante brincando de cruzamento com a filha da escrava Nica e o delatara ao patrão.
Deitou-se na cama quente e Mutucurumbá ainda ecoava em seus pensamentos. A palavra martelava sua curiosidade.Não conseguiria pegar no sono. Estava preso à informação não saciada.
Lá dentro da senzala os exaustos escravos dormiam sob o peso do cansaço, mas serenamente sonhavam com a liberdade conquistada em Mutucurumbá.
Elisa Carvalho
Nenhum comentário:
Postar um comentário