sexta-feira, janeiro 20

Pausa bendita do cotidiano

Diante desta tela branca que agora me desafia, penso nas inúmeras mazelas que aparecem de repente e no lugar de um papel e caneta nas mãos, minha experiência de contrato assinado com o poema, deu-me resultado ainda maior que meu entusiasmo pelo que faço e que ainda sei que tenho muito mais o que fazer.

Agora sei medir a existência de uma inspiração,
pensava ser ela apenas dor,
expectativa, surpresa, admiração,
platonices da mente inquieta,
teorias nada em práticas,
subjetividades competitivas,
idealização do que seria ou deixou de ser, etc


Hoje, o tempo para isso é pouco, talvez até escreva menos porque o verbo se fez carne e osso,

porque são mais crianças que vieram até a mim por causa de uma justa aprovação em concurso público,

são pais e mães que ensino a ler porque minha teimosia é grande em insistir que eles são autores das primeiras histórias que seus filhos conhecerão.


São cargos que assumi em um Instituto, que por mais burocráticos e responsáveis que sejam, esta minha mesma teimosia não deixa que o meu bichinho da Criação morra de fome, olhar além do próprio umbigo é alimento para as depressões pós-parto.

Minhas artistas preferidas são aquelas que lavam, passam, cozinham, tem as rugas do tempo; mas nada disso manda nelas, pelo contrário, a poesia ajuda a descobrir quem manda em quem.
Acomodada em apartamento de mãe, com sobrinhos debaixo das asas depois de longo almoço,
fui pra janela observar o burburinho da avenida falante, o céu anunciava chuva climática
uma sirene de polícia tira minha contemplação e lá de cima vejo no banco de carona uma cabeça adolescente, raspada, com algemas nas mãos. Sangrou na hora.

(A manchete do jornal de hoje explicou a minha dor com vermelhas letras garrafais.)


Nada pude fazer , a não ser voltar o meu olhar pro céu e perguntar o motivo, assim como ele preparava a chuva as nuvens aqui dentro se formaram mais rápido e desabei antes. Transbordou a indignação e meu pensamento traçou a genealogia social daquela cena do desencanto.

Voltei pro trabalho e abracei os livros da biblioteca, limpei um por um e planejei atividades. Conto com eles nesta estrada quixotesca, onde a realidade grita o perigo que eles ensinam a evitar. As crianças chegam, eu as recebo com o mesmo carinho com que abracei os livros, tentando aplacar o barulho daquela sirene que ainda fazia minha cabeça doer.

Há tempos larguei o solitário vício do desespero pelo reconhecimento
pelo aplauso, pelos elogios banais.
Agora é a vez da vida
e ela está permitindo que o mundo leia o que  escrevi
Hoje sou todos
e é com eles que amo muito mais.


Há Braços!
Elisa Carvalho