segunda-feira, junho 4

Ode aos Ratos



rato de rua, irrequieta criatura
tribo em frenética proliferação
lúbrico, libidinoso transeunte
boca de estômago atrás do seu quinhão
vão aos magotes a dar com um pau levando o terror
do parking ao living, do shopping center ao léu
do cano de esgoto pró topo do arranha-céu
rato de rua, aborígene do lodo
fuça gelada, couraça de sabão
quase risonho profanador de tumba
sobrevivente à chacina e à lei do cão

saqueador da metrópole, tenaz roedor
de toda esperança estuporador da ilusão
ó meu semelhante, filho de Deus, meu irmão

rato rato que rói a roupa
que rói a rapa do rei do morro
que rói a roda do carro
que rói o carro, que rói o ferro
que rói o barro, rói o morro
rato que rói o ratora-rato,
ra-rato roto que ri do roto
que rói o farrapodo esfarra-rapado
que mete a ripa, arranca rabo
rato ruim rato que rói a rosa
rói o riso da moça e ruma rua arriba em sua rota de rato—


Chico Buarque, "Ode aos Ratos" (in "Carioca", Biscoito Fino 2006)

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