segunda-feira, setembro 17

Quem viver...lembrará


Há semanas que fujo do vício das mini comidinhas da franquia árabe, em protesto contra a guerra no Oriente Médio (melhor esta desculpa do que aquela velha história da outra guerra, digo, a da que travo com a balança).

Mas ontem não foi bem assim. Ciceroneando uma amiga paulista pela cidade, não deu outra. Fugindo do calor, nos refugiamos no shopping e quando pensava que não estava eu lá sentada de frente com o cardápio provocante, cheio de teorias silenciosas e conspiradoras contra minhas promessas de meia-noite-de-fim-de-ano.

Ouvi de minha acompanhante que o seu analista havia dito que comportamentos deprimentes relacionados à comida eram sinal de anorexia chegando.

Rimos muito quando medimos a distância entre esse distúrbio patológico e nossa massa corpórea. Levaríamos uns dez anos pra chegar a esse sintoma. - Você lembra do Mandiopã? - Ela me perguntou.Imediatamente veio a cena em minha mente: Eu vidrada na propaganda da televisão, vendo eles encherem a panela e minha alegria de saber que morava a dez passos do supermercado. A família toda se reunia para saborear, num ritual quase típico dos bolinhos de chuva.

E o pirulito Zorro? Eu achava que era mesmo do herói lindo-mascarado, mas nunca o via nos filmes, provando um.

As balas de leite Kids. Eram Sá, Rodrix e Guarabira (que honra!) cantando pro baleiro rodar.“Pegue a bala mais gostosa do planeta, não deixe que a sorte se intrometa”.Eu ia até à padaria comprar um monte delas e olhava para o lado, atenta, com medo da “sorte” chegar e se intrometer na minha deliciosa aquisição. Chegava com elas nas mãos, misturadas com as Paulistinhas, aquelas compridas e coloridas.

Assistia ao desenho do Barbapapa. Lembra da família?Detestava domingos. Tudo estava fechado e o que reinava na telinha era o tal do Sílvio Santos. O cara ganhou muito dinheiro com a minha solidão. No quadro do “Boa Noite Cinderela”, eu achava que todas as meninas de minha idade teriam o mesmo destino. Escrevia e mandava muitas cartas, só que nunca era chamada. Minha avó consolava-me e dizia que o “baú” dele estava cheio delas, por isso demorava a chamar. Mas eu ia crescer. E se quando ele me chamasse eu já estivesse grande demais? Será que iria conseguir realizar meus sonhos mesmo assim?Muita coisa pra recordar. Só desejo mais uns tantos anos vividos para que eu continue lembrando, lá no futuro, das calorias extras que eu relutei em conviver no presente, pelas cenas da infância bem nutrida de ilusões, guloseimas e alegrias infantis do passado que não prejudicavam o colesterol.Depois da nossa sessão nostalgia regada a lágrimas sorridentes e vários chopps sem colarinho, tudo acabou em uma suculenta pizza sem culpas encrenqueiras. Mas e os sonhos?Os sonhos continuam os mesmos. Muitos deles se transformam em lembranças. Quem viver... lembrará.


Elisa Carvalho

2005

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