sexta-feira, abril 9

Tarde de um abril despedaçado

O meu telefone não tocou naquele dia.
Em momento nenhum fiquei sabendo
Só um leve sinal de coração doendo
Insistia em querer me avisar, do seu jeito,
o vazio que estava se formando no meu peito.


Diferente foi de uma tarde de semanas atrás
Em que por instinto apressei meus passos
Da cozinha até o quarto
rapidamente eu disse: alô!
E com sua voz sorrindo, falando com o tom da nobre simplicidade.
Enriquecido com a brincadeira ele me fala: aqui é o seu avô!


Conversamos alguns minutos de um tempo
Que no meu relógio chamei de paz
Disse que gostava muito de mim
É maravilhoso ouvir
a recíproca que a vida traz.


Depois que desliguei,
abençoada por aquele momento,
voltei pra cozinha
temperei com mais ternura o alimento.
Sorri para aquela lembrança,
para a voz que há pouco, entrara em meu ouvido
e soube se desviar dos atalhos da razão
indo aportar direto no meu coração.


Porém, naquele dia tudo era silêncio estranho.
Pela correspondência eletrônica,
de um grande e imortal amigo,
soube que o maestro partira
da sua orquestra sinfônica.


Tudo ficou escuro e sem chão
mesmo assim, tateando entre as paredes trêmulas
procurei pela sua viúva poesia na prateleira de minha estante
ela e eu choramos sozinhas com seus versos
filhos que também queriam colo.
Abracei os seus livros
como se fosse de encontro à sua família.
Velamos a sua ausência
e o medo de lidar com a saudade de sua esperança
sua confiança em leitores melhores
sua colaboração por uma sociedade sem os piores.

“As pessoas boas não morrem, ficam encantadas”, disse Guimarães Rosa.
Enquanto isso eu fico assustada
com a escassez da raridade de cada exemplar
ceifado quando a dona morte escolhe um doador de sonhos.
“Deixai aos mortos os cuidados de enterrar seus mortos”.Também
escreveu Lucas em seu livro sagrado.
Por isso minha ausência na cerimônia de sua “despedida”
nunca gostei do ritual humano do último ato ao final da vida
exatamente porque sei que ela não tem um fim, apenas recomeço.


Ele teve tempo de ser meu simbólico “vovô”.
Ser o pai das palavras sutis
atravessar décadas de histórias e experiências.
Teve tempo de inaugurar as estações de sua solidariedade
com os encontros onde se faziam presentes
toda respirante criatura
que acenava, mesmo que de longe,
os dons de simpatia com a literatura.


Hoje, vai continuar escrevendo lá em cima
ao lado de um Deus que, tenho certeza,
existe para todos nós poetas.
Perto da lua ele desperta
contando ao vivo, a obra que fez, para nosso mestre Jesus.
Em seu legado, deixado para nós aqui na terra
Sr. José Luiz,
agora é LUZ!


Elisa Carvalho
Numa tarde esquisita de abril despedaçado.
Homenagem para Sr. José Luiz de Oliveira
que voltou para Nosso Lar.

Um comentário:

Silvio disse...

Elisa rara e nobre Elisa
chorei junto com suas palavras aqui.
Beijo linda

Silvio